Por encomenda da editora Escala Educacional, o roteirista Ronaldo Antonelli e o artista Bira Dantas estão adaptando a obra de Raul Pompéia para a coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos.
Papo de Quadrinho conversou com os dois autores para saber como anda este projeto:
Quais as maiores dificuldades que vocês encontraram para adaptar este livro?
Ronaldo Antonelli: Como essa coleção mantém um compromisso didático com o conteúdo literário das obras, a adaptação deve ser menos livre que a de um trabalho de HQ em geral e guardar uma relativa (não absoluta, claro) fidelidade ao original. O Ateneu é um texto que, a par de uma ação dramática rica, apresenta trechos extensos de embates ideológicos puramente discursivos. Resumir esses trechos sem desprezar inteiramente seu conteúdo, dotando-os de uma forma mais imagética e quadrinizável representou o maior desafio do roteiro adaptado.
Bira Dantas: O Ronaldo já passou o roteiro total, de 58 páginas, muito bem esquematizado, com previsão de personagens que aparecem, definição de planos e enquadramentos e descrição de cenário ou ação. O Ronaldo é um roteirista muito experiente, já trabalhou com grandes desenhistas como Vilachã, Jô Fevereiro (que na época da Inter Quadrinhos, assinava Josmar), César Lobo, Mozart Couto, Watson Portela entre outros. É uma grande honra fazer esta dobradinha com o Ronaldo! Para mim, a dificuldade inicial sempre é mergulhar na história. Sentir o que o personagem principal sente para que possa haver uma identificação e isso seja repassado, através dos desenhos, ao leitor.
Vocês já haviam lido a obra original de Raul Pompéia? Essa é uma condição fundamental para fazer a adaptação?
R.A.: Já havia lido o livro na juventude, há mais de trinta anos. Para o presente trabalho, fiz uma leitura completa como se fosse a primeira, mas já selecionando trechos e fazendo anotações de segmentos aproveitáveis. Como a obra se divide em doze capítulos, fiz uma distribuição prévia de espaço por capítulo, tomando em conta as anotações. Quando comecei a escrever, fui relendo cada capítulo ao mesmo tempo em que criava e redigia o roteiro adaptado. Como roteirista, uso um modelo profissional tão indicativo quanto o de um roteiro cinematográfico, quase em nível de storyboard, com divisão por páginas e cenas dentro de cada página, bem como as respectivas legendas e balões de falas. Isso não visa a tolher o desenhista mas deixá-lo à vontade para seguir a marcação, enriquecendo-a com sua contribuição própria, e mesmo transgredi-la se assim entender.
B.D.: Li e acho que é necessário. Mesmo quando o roteirista domina bem o conteúdo a ser trabalhado, como é o caso do Ronaldo, o desenhista tem que ter noção da história como um todo. Até para entender (e discutir) o que motivou o roteirista a retirar determinado trecho ou valorizar outro.
E a pesquisa de cenários e figurinos de época, como funcionou?
R.A.: Faço breves indicações na descrição das cenas e personagens, eventualmente com detalhes de referência histórica quanto a figurinos ou cenários – principalmente quando de emprego essencial e obrigatório na trama. A pesquisa mais minuciosa desses aspectos, contudo, corresponde à parte mais “pedreira” do trabalho do artista, ao mesmo tempo em que um elemento de sua liberdade criativa.
B.D.: Eu já tinha uma boa parte resolvida com os estudos para o Memórias de um Sargento de Milícias, também ambientado no Rio de Janeiro em 1952. Para este usei como referência de roupas e costumes, Debret e Eduard Hildebrandt, que retrataram fielmente o Rio desta época. O Ateneu é ambientado em 1888, 14 anos depois do surgimento do Impressionismo na Pintura. Como o livro tem esta influência da Literatura Impressionista, resolvi pintar tudo com guache, inspirado em Ramon Casas, Toulouse Lautrec, Cézanne, Pissarro, Monet. O impressionismo explorou a intensidade das cores, a sensibilidade dos artistas e a impressão que o mundo ao seu redor causava neles. Há também uma grande influência entre a linguagem da pintura impressionista e a fotográfica (surgida em 1826), com cortes ousados e releituras da realidade. Tudo a ver, não? Vamos ver como ficam as primeiras páginas.
Quais os prazos que cada um teve para trabalhar? Qual a previsão de publicação de O Ateneu em quadrinhos?
R.A.: Levei aproximadamente três semanas, entre a primeira leitura e a demão final e editada no texto do roteiro/adaptação, trabalhando umas três horas por dia. Considerando dias úteis ou não, você pode pôr um mês de trabalho, entre meados de fevereiro e março passados.
B.D.: Tenho que enviar os arquivos já letreirizados (uso a fonte EdzuCC do photoshop) em fim de agosto. Aí leva um ou dois meses para revisão e correção e o mesmo tempo para entrar em gráfica. Deve ser lançado em dezembro deste ano ou janeiro de 2010.
Como estamos falando de quadrinhos didáticos, eu não poderia deixar de perguntar: o que vocês acharam desta polêmica envolvendo a HQ “Dez na Área...” que foi entregue aos alunos de escolas públicas de uma faixa etária inadequada ao conteúdo?
R.A.: Um fenômeno típico das distorções de nosso mercado editorial e da cultura braseira como um todo. O preconceito clássico contra os quadrinhos, tradicionalmente apontados como subliteratura para crianças, esteve subjacente à polêmica, é claro, ao lado do descuido e da negligência dos executores da política educacional na seleção de seus recursos e ferramentas – esta a razão mais evidente. Mas cabe lembrar também as mazelas típicas do conúbio entre os gerentes do mercado envolvido, que no Brasil sempre atuaram poderosamente nas decisões do que os governos compram em matéria de produtos culturais – não os artistas, escritores e responsáveis editoriais nem os governadores e secretários da cultura, diretamente, mas os gestores de vendas e licitações, de segundo escalão, de uma e de outra ponta do mercado.
B.D.: A culpa foi do governo de São Paulo, que comprou (para distribuir para alunos de 9 anos) o livro da Via Lettera. Um absurdo, pois o livro é para o público adulto. A Via Lettera não tem culpa no caso, já que apenas repassou o livro pra Secretaria de Educação sem saber como seria utilizado. Os quadrinhistas também não, pois produziram material com enfoque adulto, visando exatamente este público. Agora, a secretaria de (dês)educação repassar isto pras crianças é o fim do mundo. Prova que eles não lêem o conteúdo do que indicam para os alunos. Foi assim com os livros de Geografia com erros gravíssimos. Esta é a Competência Tucana. Não é à toa que o Governo Zé Serra levou 4 de nota em Educação. Zé Serra é o mesmo que disse que a gripe suína era passada aos seres humanos se o porquinho espirrasse em nosso rosto. E esse tal ainda quer ser presidente da república. É RUIM, HEIN??? E concordo com a revolta do Orlando (editor do livro) pelo governador ter dito que o livro era de “muito mau gosto”.
Papo de Quadrinho conversou com os dois autores para saber como anda este projeto:
Quais as maiores dificuldades que vocês encontraram para adaptar este livro?
Ronaldo Antonelli: Como essa coleção mantém um compromisso didático com o conteúdo literário das obras, a adaptação deve ser menos livre que a de um trabalho de HQ em geral e guardar uma relativa (não absoluta, claro) fidelidade ao original. O Ateneu é um texto que, a par de uma ação dramática rica, apresenta trechos extensos de embates ideológicos puramente discursivos. Resumir esses trechos sem desprezar inteiramente seu conteúdo, dotando-os de uma forma mais imagética e quadrinizável representou o maior desafio do roteiro adaptado.
Bira Dantas: O Ronaldo já passou o roteiro total, de 58 páginas, muito bem esquematizado, com previsão de personagens que aparecem, definição de planos e enquadramentos e descrição de cenário ou ação. O Ronaldo é um roteirista muito experiente, já trabalhou com grandes desenhistas como Vilachã, Jô Fevereiro (que na época da Inter Quadrinhos, assinava Josmar), César Lobo, Mozart Couto, Watson Portela entre outros. É uma grande honra fazer esta dobradinha com o Ronaldo! Para mim, a dificuldade inicial sempre é mergulhar na história. Sentir o que o personagem principal sente para que possa haver uma identificação e isso seja repassado, através dos desenhos, ao leitor.
Vocês já haviam lido a obra original de Raul Pompéia? Essa é uma condição fundamental para fazer a adaptação?
R.A.: Já havia lido o livro na juventude, há mais de trinta anos. Para o presente trabalho, fiz uma leitura completa como se fosse a primeira, mas já selecionando trechos e fazendo anotações de segmentos aproveitáveis. Como a obra se divide em doze capítulos, fiz uma distribuição prévia de espaço por capítulo, tomando em conta as anotações. Quando comecei a escrever, fui relendo cada capítulo ao mesmo tempo em que criava e redigia o roteiro adaptado. Como roteirista, uso um modelo profissional tão indicativo quanto o de um roteiro cinematográfico, quase em nível de storyboard, com divisão por páginas e cenas dentro de cada página, bem como as respectivas legendas e balões de falas. Isso não visa a tolher o desenhista mas deixá-lo à vontade para seguir a marcação, enriquecendo-a com sua contribuição própria, e mesmo transgredi-la se assim entender.
B.D.: Li e acho que é necessário. Mesmo quando o roteirista domina bem o conteúdo a ser trabalhado, como é o caso do Ronaldo, o desenhista tem que ter noção da história como um todo. Até para entender (e discutir) o que motivou o roteirista a retirar determinado trecho ou valorizar outro.
E a pesquisa de cenários e figurinos de época, como funcionou?
R.A.: Faço breves indicações na descrição das cenas e personagens, eventualmente com detalhes de referência histórica quanto a figurinos ou cenários – principalmente quando de emprego essencial e obrigatório na trama. A pesquisa mais minuciosa desses aspectos, contudo, corresponde à parte mais “pedreira” do trabalho do artista, ao mesmo tempo em que um elemento de sua liberdade criativa.
B.D.: Eu já tinha uma boa parte resolvida com os estudos para o Memórias de um Sargento de Milícias, também ambientado no Rio de Janeiro em 1952. Para este usei como referência de roupas e costumes, Debret e Eduard Hildebrandt, que retrataram fielmente o Rio desta época. O Ateneu é ambientado em 1888, 14 anos depois do surgimento do Impressionismo na Pintura. Como o livro tem esta influência da Literatura Impressionista, resolvi pintar tudo com guache, inspirado em Ramon Casas, Toulouse Lautrec, Cézanne, Pissarro, Monet. O impressionismo explorou a intensidade das cores, a sensibilidade dos artistas e a impressão que o mundo ao seu redor causava neles. Há também uma grande influência entre a linguagem da pintura impressionista e a fotográfica (surgida em 1826), com cortes ousados e releituras da realidade. Tudo a ver, não? Vamos ver como ficam as primeiras páginas.
Quais os prazos que cada um teve para trabalhar? Qual a previsão de publicação de O Ateneu em quadrinhos?
R.A.: Levei aproximadamente três semanas, entre a primeira leitura e a demão final e editada no texto do roteiro/adaptação, trabalhando umas três horas por dia. Considerando dias úteis ou não, você pode pôr um mês de trabalho, entre meados de fevereiro e março passados.
B.D.: Tenho que enviar os arquivos já letreirizados (uso a fonte EdzuCC do photoshop) em fim de agosto. Aí leva um ou dois meses para revisão e correção e o mesmo tempo para entrar em gráfica. Deve ser lançado em dezembro deste ano ou janeiro de 2010.
Como estamos falando de quadrinhos didáticos, eu não poderia deixar de perguntar: o que vocês acharam desta polêmica envolvendo a HQ “Dez na Área...” que foi entregue aos alunos de escolas públicas de uma faixa etária inadequada ao conteúdo?
R.A.: Um fenômeno típico das distorções de nosso mercado editorial e da cultura braseira como um todo. O preconceito clássico contra os quadrinhos, tradicionalmente apontados como subliteratura para crianças, esteve subjacente à polêmica, é claro, ao lado do descuido e da negligência dos executores da política educacional na seleção de seus recursos e ferramentas – esta a razão mais evidente. Mas cabe lembrar também as mazelas típicas do conúbio entre os gerentes do mercado envolvido, que no Brasil sempre atuaram poderosamente nas decisões do que os governos compram em matéria de produtos culturais – não os artistas, escritores e responsáveis editoriais nem os governadores e secretários da cultura, diretamente, mas os gestores de vendas e licitações, de segundo escalão, de uma e de outra ponta do mercado.
B.D.: A culpa foi do governo de São Paulo, que comprou (para distribuir para alunos de 9 anos) o livro da Via Lettera. Um absurdo, pois o livro é para o público adulto. A Via Lettera não tem culpa no caso, já que apenas repassou o livro pra Secretaria de Educação sem saber como seria utilizado. Os quadrinhistas também não, pois produziram material com enfoque adulto, visando exatamente este público. Agora, a secretaria de (dês)educação repassar isto pras crianças é o fim do mundo. Prova que eles não lêem o conteúdo do que indicam para os alunos. Foi assim com os livros de Geografia com erros gravíssimos. Esta é a Competência Tucana. Não é à toa que o Governo Zé Serra levou 4 de nota em Educação. Zé Serra é o mesmo que disse que a gripe suína era passada aos seres humanos se o porquinho espirrasse em nosso rosto. E esse tal ainda quer ser presidente da república. É RUIM, HEIN??? E concordo com a revolta do Orlando (editor do livro) pelo governador ter dito que o livro era de “muito mau gosto”.
4 comentários:
Muito bacana,
O Bira me achou no wordpress a partir de um post sobre o meu TCC que foi sobre o Ateneu também.
Desde então tenho acompanhado a evolução do projeto em um blog que o próprio Bira me passou e está muito bom!!!
Este é definitivamente, o blog das boas entrevistas! E agora, o superfera Bira!!!!
Bira e FODAAAAAAAA!!!!
desenha PRA CARVALHOOOOOOOOOOO!!!!
E boiola ,mas e meu amigooooo!!!!
U-Ruuuu!!!!
Valeu, Mine, Guedes e Baraldi!
Vcs são amigos do peito mesmo!
Quanto ao Baraldi, fico só no "amigo"...
HAuhauhauhauhauhuahuahuah
Abraços
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