quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Artigo: Algumas reflexões pessoais, intimamente ligadas ao mercado de HQs.

Por José Salles

“Meu Passado Me Condena”, é o nome de um filme, ou de um livro, talvez um simples dito popular, não sei. Para mim, essa frase se encaixa perfeitamente. Lembremo-nos que a palavra “condenado”, segundo o novo dicionário Universal da Texto Editores, significa, entre outras coisas: criminoso, facínora, réprobo.

Desta forma, meu passado me torna um criminoso – e torna mesmo, hoje tenho consciência dos inúmeros erros e crimes de meu pretérito pessoal que, se ludibriaram a lei dos homens, certamente não escaparão da Justiça Divina.

E dentre meus inúmeros crimes, o mais grave não está nas atitudes propriamente ditas, atitudes de alguém egoísta, soberbo, guloso, arrogante, orgulhoso (ainda hoje luto ferrenhamente contra esses sentimentos, não duvidem), ateu, materialista, hedonista, niilista, revoltadinho, irado, etc.

Não, muito pior do que ser assim (pecados não exclusivos de minha pessoa, é claro) é escrever dominado por sentimentos tão nefastos – e muito, muito pior mesmo, é tornar públicos estes escritos, transmitindo aquelas péssimas energias, aquelas péssimas sensações do autor, para outras pessoas (quase sempre, seus amigos, conhecidos e alguns outros interessados).

Eis aí o crime mais hediondo, que há de ter punição muito mais rigorosa do que a cadeira elétrica ou a câmara de gás – talvez não diante da justiça dos homens, mas certamente aos olhos de Deus. Como eu mesmo pratiquei esse crime, essa infâmia de escrever, publicar e divulgar obras que passavam aos leitores impressões negativistas – e, com isso, motivando-os a sentirem emoções de raiva, baixa sensualidade, revolta imatura, desesperança, misantropia, misoginia, desânimo e outros horrores da sociedade humana carnal – sendo eu um facínora das letras, tenho que esperar, dentro da lei de causa e efeito, algum merecido castigo que eu mesmo criei para mim.

Mas, pelo visto, mesmo quando eu não acreditava, mesmo imerso em trevas morais, eu era amado pelo Deus Todo Poderoso. Não só meus crimes não foram descobertos pela justiça dos homens, mas principalmente pelo fato de eu ter sobrevivido – e, mesmo imerecidamente, ter sido curado de doenças e estado pronto para aceitar a divindade bendita do dia-a-dia do presente, bênção diária feito chance para redenção de meu passado tenebroso.

Como se vê, se outrora eu não tinha esperança alguma, Deus jamais perdeu a esperança em mim. A Luz me voltou a brilhar, lentamente, no ano de 2005, quando retornei à minha terrinha adorada.

Dizem que nós brasileiros somos apegados à nossa terra, e eu faço prova disso, hoje posso ser facilmente incluído nalguma letra de música caipira, nalguma moda de viola que narre a tristeza do homem do campo que vai morar na cidade grande – mas, principalmente, a alegria que sente quando retorna ao lar, o renovar da vida, a procura dos bons valores e das boas virtudes perdidos na jornada pelo mundo pagão.

O nascimento da Júpiter II (primeiramente, como SM Editora), exatamente em agosto de 2005 com o lançamento de Máscara Noturna 1, mostra que essa trajetória que agora completa 5 anos, representa e muito as mudanças que aconteceram em minha vida. Nos primeiros gibis lançados, ainda se percebe um pouco de meu passado criminoso, tendo sido eu o responsável por lançamentos de gibis que divulgavam sentimentos nefastos, como o hedonismo frívolo e a justiça pelas próprias mãos (caso do Máscara Noturna), ou que exaltassem porcarias como as perversões sexuais, o niilismo, a desesperança, o ateísmo anticristão (caso de Jack The Fag).

Entretanto, as mudanças estavam a caminho: os ares da boa terrinha traziam consigo os bons valores e as boas virtudes que me foram passadas como inestimável tesouro moral, na infância e tenra juventude. Eu o perdi pelo caminho terreno, mas começo a reencontrá-lo, agora ainda mais revigorado, transformador, fazendo-me consolado quanto ao passado, firme e saudável no presente, cheio de vigor, de alegria, de esperança num futuro radioso.

Tive até chance de dar um fim menos indigno tanto ao Máscara Noturna quanto ao Jack The Fag. Pessoas e fatos muito me ajudaram nesta recuperação (Deus sempre pondo no caminho daqueles que sinceramente se arrependem, anjos em forma de gente, aliados irresistíveis na estrada do Bem), isso daria um artigo ainda mais extenso do que este.

O que eu gostaria de dizer é que, hoje, os gibis da Júpiter II, produzidos por artistas e personagens variados, pessoas de diversas partes do Brasil, têm um eixo comum, uma necessidade imperiosa: passar ao leitor boas energias, bons sentimentos, entretenimento de qualidade.

Mesmo num gibi de terror, isso é possível de ser feito. Mas o melhor mesmo é lançar personagens infantis como o Krahomim e a Turma do Gabi, e super-heróis notoriamente a serviço do Bem, como o Raio Negro, o Tormenta, o Corcel Negro, o Capoeira Negro, Blenq etc.

Claro que cometemos erros, ninguém é perfeito, muito menos um editor com um passado como o meu. Mas é nossa intenção e, agindo assim, temos a plena certeza de que nossos gibis agradarão em cheio ao povo brasileiro, que em grande número irá se identificar com nossos personagens.

Imagino que a leitura de um artigo como este – especialmente quando lido por ex-parceiros, aqueles que ainda continuam vivendo naquele mesmo caminho que eu trilhava no passado – deva causar certa irritação, ou quem sabe, sarcástica comiseração.

Só não gostaria que pensassem que sou um hipócrita, que simplesmente se trate do autor de Contos Pervertidos, Monakhós, Road SM, Credo Creditum e Jack The Fag, entre inúmeras barbaridades, que o autor dessas melecas passe a bradar por valores morais, como se fosse um santo. Claro que não. Minha transformação íntima, tão ligada ao direcionamento editorial da Júpiter II, foi (e ainda está sendo) algo sofrido, período de muito suor, lágrimas e solidão.

E continuo cada vez mais resoluto, todo dia, a buscar viver de forma contrária à que vivia antes. E não só eu ganho com isso, mas também os colaboradores e leitores dos gibis da Júpiter II.

José Salles é roteirista de quadrinhos, editor da independente Júpiter II e ganhador do Troféu Jayme Cortez 2010 cedido pela AQC-ESP. Este artigo foi publicado originalmente no blog da Júpiter II Editora e reproduzido com autorização do autor.

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