O professor universitário Gian Danton (pseudônimo de Ivan Carlo Andrade de Oliveira) já recebeu diversos prêmios por seus roteiros, entre eles o HQ Mix de 1999 e 2000, o Ângelo Agostini e o prêmio da Associação Brasileira de arte Fantástica.
Ele é autor de vários artigos e livros, especialmente sobre o assunto que mais domina: roteiros. O mais recente deles, Roteiro para Histórias em Quadrinhos, acaba de ser lançado pela Editora Popmídia.
Gian Danton responde as 5 Perguntas do Papo de Quadrinho desta semana:
1) O que caracteriza um bom roteiro para quadrinhos?
Acho que não há uma única resposta para isso, já que existem muitos estilos e muitas formas de fazer quadrinhos. Mas algumas coisas fazem com que um roteiro seja bom. O primeiro, creio, é que o texto toque a pessoa, começando pelo próprio escritor. Alan Moore diz que um roteiro de terror deve dar medo em quem escreve. Também é importante uma boa caracterização de personagens e ambientação. O personagem deve ter uma história de vida, que orienta suas ações no presente. Daí a importância dos flashbacks em Lost, por exemplo. E a escolha do ambiente influencia diretamente nos rumos da história, como em Aldebaran, do brasileiro Leo, em que pessoas vivendo num mundo aquático têm comportamento diferente de pessoas que vivem num mundo árido. A pesquisa também é importante para a construção de um bom roteiro. Se vou escrever uma história sobre o Egito, devo fazer uma boa pesquisa sobre aquele país.
2) Tenho notado que os jovens que ambicionam profissionalizar-se como quadrinhistas são muito mais preocupados com o desenho que com o roteiro. A que você atribui isso?
Infelizmente, o desenho é o que mais salta aos olhos. A maioria começa a comprar quadrinhos por causa dos desenhos. Só que o que faz a pessoa continuar comprando é o roteiro, mas poucos quadrinhistas percebem isso. Veja a Image, que era uma editora de revistas-pôster... Parece que o fracasso da Image não ensinou muito aos novos quadrinhistas que pretendem entrar no mercado. Se bem que essa é uma visão compartilhada até por pessoas de outras mídias. Os desenhistas costumam ser mais valorizados pela mídia do que os roteiristas. Um exemplo: quando foi lançada a revista Mulher Diaba no rastro de Lampião, um jornalista perguntou para o Flávio Colin se ele tinha pesquisado literatura de cordel para fazer a história. O jornalista não percebeu que o roteirista era o Ataíde Bras (este sim, pesquisou muito literatura de cordel para escrever o roteiro).
3) Indique uma HQ que ilustra o que é um roteiro bem construído. Por favor, justifique a escolha.
Nossa, agora você me pegou! Tem tantas... Só de cabeça, eu poderia citar muitas, mas vou me limitar a uma que está em voga: Watchmen. Essa HQ é um dos exemplos mais bem acabados de um bom roteiro. Para começar, Alan Moore usou um estilo de narrativa para cada núcleo ou personagem. Os textos de Rorschach são diferentes dos Contos do Cargueiro Negro, que são diferentes de outros personagens, como o Dr. Manhattan. Só um roteirista absolutamente genial conseguiria dominar tantos estilos ao mesmo tempo.
4) Na outra ponta, cite alguma boa história que foi desperdiçada por um roteiro ruim...
Eu costumo dizer que Alan Moore tem a capacidade de transformar m... em ouro, como fez com o Miracleman. Da mesma forma, tem roteirista que acaba transformando ouro em m... O exemplo mais famoso é A morte do Super-Homem. Poderia ter sido uma grande HQ, mas entrou para a história como um dos roteiros mais sofríveis de todos os tempos. As coisas acontecem sem muita lógica, os personagens parece não ter motivação... sem falar da enrolação que foi aquilo. Deus nos defenda!
5) Você é um especialista em Watchmen, tendo inclusive lançado o livro Watchmen e a Teoria do Caos, em 2005. Qual sua expectativa para a adaptação cinematográfica que estréia em março?
Olha, pelo que tenho visto nos traileres, tem coisa muito boa e tem coisa meio estranha. Não acho uma heresia terem modificado um pouco a trama. Desde que se mantenha o espírito original. O que me preocupa é se o sentido original for modificado. Por exemplo, na HQ, o Coruja é um frustrado, um cara que não se deu bem na vida e usa a fantasia de super-herói como estímulo erótico. Mas o trailer mostra ele como uma espécie de Batman. Tomara que tenha sido uma interpretação errada da minha parte. Agora, quanto ao visual, não há o que reclamar...
Gian Danton mantém um blog sobre notícias do mercado de quadrinhos e outro com preciosas dicas sobre roteirização de HQs. Não deixe de visitar.
E se estiver interessado no seu novo livro, clique aqui.
Ele é autor de vários artigos e livros, especialmente sobre o assunto que mais domina: roteiros. O mais recente deles, Roteiro para Histórias em Quadrinhos, acaba de ser lançado pela Editora Popmídia.
Gian Danton responde as 5 Perguntas do Papo de Quadrinho desta semana:
1) O que caracteriza um bom roteiro para quadrinhos?
Acho que não há uma única resposta para isso, já que existem muitos estilos e muitas formas de fazer quadrinhos. Mas algumas coisas fazem com que um roteiro seja bom. O primeiro, creio, é que o texto toque a pessoa, começando pelo próprio escritor. Alan Moore diz que um roteiro de terror deve dar medo em quem escreve. Também é importante uma boa caracterização de personagens e ambientação. O personagem deve ter uma história de vida, que orienta suas ações no presente. Daí a importância dos flashbacks em Lost, por exemplo. E a escolha do ambiente influencia diretamente nos rumos da história, como em Aldebaran, do brasileiro Leo, em que pessoas vivendo num mundo aquático têm comportamento diferente de pessoas que vivem num mundo árido. A pesquisa também é importante para a construção de um bom roteiro. Se vou escrever uma história sobre o Egito, devo fazer uma boa pesquisa sobre aquele país.
2) Tenho notado que os jovens que ambicionam profissionalizar-se como quadrinhistas são muito mais preocupados com o desenho que com o roteiro. A que você atribui isso?
Infelizmente, o desenho é o que mais salta aos olhos. A maioria começa a comprar quadrinhos por causa dos desenhos. Só que o que faz a pessoa continuar comprando é o roteiro, mas poucos quadrinhistas percebem isso. Veja a Image, que era uma editora de revistas-pôster... Parece que o fracasso da Image não ensinou muito aos novos quadrinhistas que pretendem entrar no mercado. Se bem que essa é uma visão compartilhada até por pessoas de outras mídias. Os desenhistas costumam ser mais valorizados pela mídia do que os roteiristas. Um exemplo: quando foi lançada a revista Mulher Diaba no rastro de Lampião, um jornalista perguntou para o Flávio Colin se ele tinha pesquisado literatura de cordel para fazer a história. O jornalista não percebeu que o roteirista era o Ataíde Bras (este sim, pesquisou muito literatura de cordel para escrever o roteiro).
3) Indique uma HQ que ilustra o que é um roteiro bem construído. Por favor, justifique a escolha.
Nossa, agora você me pegou! Tem tantas... Só de cabeça, eu poderia citar muitas, mas vou me limitar a uma que está em voga: Watchmen. Essa HQ é um dos exemplos mais bem acabados de um bom roteiro. Para começar, Alan Moore usou um estilo de narrativa para cada núcleo ou personagem. Os textos de Rorschach são diferentes dos Contos do Cargueiro Negro, que são diferentes de outros personagens, como o Dr. Manhattan. Só um roteirista absolutamente genial conseguiria dominar tantos estilos ao mesmo tempo.
4) Na outra ponta, cite alguma boa história que foi desperdiçada por um roteiro ruim...
Eu costumo dizer que Alan Moore tem a capacidade de transformar m... em ouro, como fez com o Miracleman. Da mesma forma, tem roteirista que acaba transformando ouro em m... O exemplo mais famoso é A morte do Super-Homem. Poderia ter sido uma grande HQ, mas entrou para a história como um dos roteiros mais sofríveis de todos os tempos. As coisas acontecem sem muita lógica, os personagens parece não ter motivação... sem falar da enrolação que foi aquilo. Deus nos defenda!
5) Você é um especialista em Watchmen, tendo inclusive lançado o livro Watchmen e a Teoria do Caos, em 2005. Qual sua expectativa para a adaptação cinematográfica que estréia em março?
Olha, pelo que tenho visto nos traileres, tem coisa muito boa e tem coisa meio estranha. Não acho uma heresia terem modificado um pouco a trama. Desde que se mantenha o espírito original. O que me preocupa é se o sentido original for modificado. Por exemplo, na HQ, o Coruja é um frustrado, um cara que não se deu bem na vida e usa a fantasia de super-herói como estímulo erótico. Mas o trailer mostra ele como uma espécie de Batman. Tomara que tenha sido uma interpretação errada da minha parte. Agora, quanto ao visual, não há o que reclamar...
Gian Danton mantém um blog sobre notícias do mercado de quadrinhos e outro com preciosas dicas sobre roteirização de HQs. Não deixe de visitar.
E se estiver interessado no seu novo livro, clique aqui.
3 comentários:
Gian também é autor de uma simpática tira, "Exploradores do Desconhecido", desenhada pelo excelente Jean Okada e publicada na internet. Eu mesmo sou fã.
Agora, faltou pesquisa do lado dele. Dizer que a Image tornou-se "um fracasso" é ignorar que ela se tornou um celeiro de novas idéias e novos criadores.
Séries autorais e material mais alternativo como Jynx, Violent Messiah e Godland dividindo espaço com super-heróis com proposta mais diferenciada, como The Darkness e Savage Dragon.
"Tá, mas no começo só o que importava eram os desenhos"
Mesmo assim. O grande foco que a editora deu aos desenhos concebeu a forma como os artistas trabalham hoje. Trabalhos mais demorados e mais caprichados, cores feitas por computador, arte-final profissional.
A Top Cow e a Wildstorm projetaram grandes artistas, como David Finch e Bryan Hitch, além de mudar a forma como se encarava a colorização. Se hoje temos o Morry Hollowell fazendo um excelente trabalho em cima da arte do McNiven em Guerra Civil. Se hoje temos um Dave McGaig fazendo um excelente trabalho em cima da arte do Gary Frank em Action Comics...
...tudo isso é meio que uma consequência do "foco na arte" que a Image tinha. Eles erraram por não ter, na maioria das vezes, se lembrado também do roteiro, mas não se pode negar a contribuição que eles deram à produção de desenhos.
Oi Flávio,
obrigado pelo adendo. De fato, a Image tem um papel fundamental, inclusive para os roteiros, especialmente pela fase mais recente da editora ou suas derivadas. Quando falei fracasso da Image queria me referir ao fracasso daquele modelo inicial de revistas com desenhos lindos e pouco roteiro.
Gian Danton
Hmmm... na verdade me parece que o fundamento básico da IMAGE quando foi fundada era essencialmente O RESPEITO AO DIREITO DE PROPRIEDADE do autor de quadrinhos sobre seus personagens, sobre suas criações. Até então, os personagens das revistas (os comics) sempre pertenciam às EDITORAS, os autores eram reconhecidos como meros empregados, e sempre teve briga feia por causa disso, pesquisem sobre Jack Kirby e a grande briga com a Marvel no início dos anos 80.
Não sei dizer, acompanhando os títulos Image e as evoluções deles ao longo das décadas, se isso é respeitado até hoje... mas, por outro lado, POR QUE ALAN MOORE, um dos maiores baluartes na defesa do DIREITO AO RECONHECIMENTO E PARTICIPAÇÃO DOS AUTORES NOS LUCROS DOS MERCHANDISING DOS PERSONAGENS fez e está fazendo todos os últimos trabalhos para o selo ABC, da Wildstorm, nos últimos doze anos? (se não me falha a memória...)
Agora, o MODELO-IMAGE de fazer história em quadrinho ganhou absurda fama em função de seu SUCESSO TEMPORÁRIO em magníficos trabalhos no quesito arte: tendo liberdade criativa, os fundadores da Image acabaram botando tesão na coisa da arte e do desenho, usando técnicas gráfica que não teriam condições de implantar nas "majors" Marvel e DC por custos ou por prazos. Daí saía um monte de títulos com aquela arte maravilhosa, e história sofrível... e INFLUENCIOU TODA UMA MALDITA GERAÇÃO DE PRODUTORES/DESENHISTAS DE QUADRINHOS QUE SÓ LIGAM PARA O VISUAL e esquecem que estão lá lendo o gibi por uma boa história, um bom entretenimento... e digo maldita porque tanto lá no exterior quanto aqui no Brasil tem aqueles deslumbrados que só captam, apreciam e até chupinham a superfície, sem esquentar a cabeça com o conteúdo...
Infelizmente, a mentalidade IMAGE é UM FRACASSO no ponto de vista de não funcionar para criar histórias em quadrinhos legíveis, agradáveis, e até boas... MAS É UMA PO*$%$# DE SUCESSO DO PONTO DE VISTA DO MARKETING: tem seguidores no mundo todo, aqui no Brasil, então... uffff!!!!
e viva a boa embalagem!
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