quinta-feira, 12 de março de 2009

Como são feitos os scans

Algum tempo atrás, fiquei surpreso ao descobrir que as cópias de quadrinhos na Internet são tão abundantes e populares quanto jogos, programas, músicas, filmes e seriados. São os chamados scans.

(Ao lado, graphic novel de Stan Lee e Jack Kirby, de 1978, inédita no Brasil e disponível em scan)

Descobri também que há vários grupos de pessoas dispostas a investir parte do seu tempo e talento na tradução dos balões, legendas, títulos e demais textos das histórias. Tudo isto sem aferir nenhum lucro financeiro, apenas por amor de fã e para facilitar a vida dos leitores brasileiros. Por derivação, são chamadas de scanlators (algo como "tradutor de scans").

Papo de Quadrinho entrevistou um scanlator para entender como funciona este processo.

Tudo começa no país de origem, quando um leitor adquire uma HQ recém-lançada e a digitaliza no seu computador pessoal. As páginas digitais são agrupadas em arquivos compactados - normalmente no formato CBR ou CBZ (abertos por descompactadores como Winzip ou lidos diretamente pelo programa CDisplay) ou PDF (lido pelo programa Adobe Acrobat Reader) - e disponibilizadas em sites, blogs ou outros compartilhadores (e-Mule, torrent).

Aqui no Brasil, grupos de scanlators baixam este arquivo e começam a tradução. "Existem inúmeros scanlators, alguns 'especializados' só em Marvel ou DC, ou em ambas, ou só em materiais de editoras independentes, ou só em mangás, e há também aqueles que misturam tudo", diz nossa fonte, que não faz questão de se identificar.

O tradutor de um grupo nem sempre é fluente na língua estrangeira de origem. A tradução é feita em programas de edição de texto como Word ou no Bloco de Notas do Windows, e enviada para um revisor - alguém que conhece bem tanto a língua portuguesa quanto a original - para que sejam feitas correções e adaptações. Em alguns casos, esta etapa é suprimida.

O próximo na linha de produção é o diagramador. Por meio de um programa de edição de imagens, normalmente o Photoshop, os balões e legendas são apagados e preenchidos com a tradução revisada. Quando é possível, os títulos das histórias também são substituídos.

"Com a revista pronta, alguém do grupo - geralmente o último que 'tocou' na revista - faz o upload (transferência do computador local para um servidor na Internet) e disponibiliza no site ou blog de seu grupo para o leitor fazer o download", explica o scanlator.

Normalmente, a versão traduzida pode ser baixada uma semana após o lançamento no país de origem. Mas isso varia de acordo com o tempo livre dos envolvidos no processo.

"Por ser um trabalho amador, erros de português, de tradução ou de diagramação acontecem. Mas tentamos fazer da forma mais rápida e com a melhor qualidade possível".

Página de Thor (vol. 3) 10, publicada nos Estados Unidos em setembro de 2008 e ainda inédita no Brasil , está disponível há meses na Internet, já traduzida

Existem muitos motivos que levam os leitores a buscar scans na Internet: conhecer uma HQ antes de decidir pela compra, manter-se atualizado com o que está acontecendo no país de origem, ter acesso a material clássico ou inédito no Brasil, ou mesmo falta de grana para comprar as revistas na banca.

Participe da Enquete na barra à esquerda e diga qual é o seu motivo.


E a lei?

Que ninguém se iluda: apesar de não haver interesse financeiro envolvido, à luz da legislação brasileira esta prática é considerada ilegal.

Segundo o advogado Gabriel Bittencourt de Aguiar, do escritório Furtado e Associados, de Santa Catarina, o artigo 184 do Código Penal e a Lei dos Direitos Autorias (9610/98) proíbem a publicidade total ou parcial de uma obra que não pertence a quem a divulga.

No primeiro caso, a pena prevista para quem viola direitos de autor e os que lhe são conexos é de três meses a um ano, ou multa. Já o artigo 5º da Lei de Direitos Autorais garante que compilação de textos legais, sua seleção, organização e outros trabalhos constantes de suas publicações constituem-se em criação intelectual, e existe a possibilidade de impor ao reprodutor clandestino a punição prevista legalmente tanto na esfera cível quanto criminal.

“Mesmo que seja possível a leitura gratuita de um quadrinho em uma banca de revista, não se pode promover a divulgação sem que haja um rechaço por parte do autor da obra, visto que, na parte criminal é uma ação condicionada à representação da vítima, assim como na esfera cível, para propositura de ação de busca a apreensão ou até mesmo uma ação indenizatória”, explica o advogado.

Mas e o fato de não haver lucro direto ou indireto por parte dos scanlators?

Aguiar esclarece: “É possível dizer que existe lucro nos acessos que o site (que hospeda o scan) recebe. Com base nisso, sou da premissa que ainda incorre em crime”.

“Por analogia – continua ele - podemos dizer que a lei de drogas tem algo semelhante: só pelo fato de distribuir drogas, o indivíduo está cometendo crime. Então, mesmo que ele não faça a venda, ele faz apologia ao crime, previsto no Código Penal, Artigo 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção de três a seis meses, ou multa”.


Qual é a saída?

Combater frontalmente as cópias ilegais na Internet, ainda que sob amparo da lei, talvez não seja a atitude mais inteligente dos detentores dos direitos. Ao vencer a guerra jurídica contra o Napster, a indústria fonográfica acelerou a proliferação da troca de arquivos P2P (peer to peer, ou ponto a ponto), em que um usuário vai buscar o arquivo distribuído em milhares de computadores de outros usuários espalhados pelo mundo.

Percebendo que esta seria uma luta inglória, muitos estúdios de TV nos Estados Unidos decidiram usar a Internet a seu favor e, hoje em dia, disponibilizam episódios inteiros de seus seriados gratuitamente no dia seguinte à exibição. Assim, atraem visitação e podem comercializar anúncios nestes espaços.

A Marvel já tem um canal de HQs digitais. O serviço ainda é pago, mas são constantes as "promoções" em que a editora disponibiliza parte do acervo para ser lido gratuitamente. Será que vale a máxima "se não pode vencer, junte-se a eles"?

Será este o futuro da indústria de quadrinhos?

9 comentários:

Unknown disse...

Honestamente estou pouco me lixando para as perdas de lucro das grandes empresas, e não acho que baixar scans vá financiar drogas ou aumentar a viloência, mas também vejo pouquíssima diferença entre as empresas e as máfias.

Compro gibis e baixo scans, ambos por motivos egoístas, penso unicamente como consumidor. Ninguém vai comprar porcaria numa loja só para impedir que o "pobre" lojista venha a falir, do mesmo modo, não dou a mínima se a DC, a Marvel ou qualquer outra Editora for pro buraco. Talvez seja até bom, porque é certo que algo surgirá no lugar, quem sabe até o quadrinho independente brasileiro ganhe espaço.

Se a indústria quer sobreviver, ela que se vire e se adapte as novas regras do jogo, da mesma forma que os pobretões como eu fazem. Dor na consciência eu sinto quando fico devendo ao cara da mercearia, agora se os Editores da Marvel ou da DC vão comer menos caviar, eles que se f0#@m.

Com o dinheiro que eu gastei em gibis durante toda a minha vida, provavelmente eu compraria uma casa. Agora com o surgimento do scan, eu só compro o que me interessa mesmo, o que tem qualidade pra mim e que acho que vale a pena ter.

É ridícula a posição das empresas de combate ao scan e ao download, afinal as liberdades do capitalismo só podem valer para elas.

De minha parte continuarei a baixar scans sem o menor pingo de dor na consciência,
aliás, estou baixando neste instante.

É isso o que penso, sem falso moralismo.

Anônimo disse...

Seguinte, não dá para lutar contra a tecnologia. Como ninguém vai levar a tela do PC para o banheiro, não existe esse papinho mole de que scan acaba com as vendas. Deve diminuir pouco na gringolândia.

No Brasil pode ser que afete as vendas porque os gibis são muito caros e é foda acompanhar tudo pagando 7,50, é foda, muito caro mano. Mas ninguém se iluda porque muita gente ainda compra gibi, tipo eu ehehehe

Na música é outro esquema, que já sofreu um baque do LP para o CD, o gibi é como um livro, um troço colecionável, tem a textura do papel, a edição, tudo isso um scan nunca vai ter. E fora que ler na tela é meio embaçado. Se computador fosse tão bom para ler, ouvir música e ver vídeos, ninguém comprava mais TVs por exemplo.

É uma questão de inteligência das editoras. Fazer gibi bom para a galerinha comprar e lançar pacotes digitais por um preço honesto vai virar. Aqui no Brasil para variar alguns vão ficar choramingando e vão botar a culpa em todo mundo menos na própria falta de visão. Tem um lance tb que as editoras nem ganham muito com gibi, mas com licença dos personagens, então ficam reclamando por reclamar.

E se não fosse a pirataria, o que seria do sistema Windows, por exemplo. Se a pirataria eh tão ruim como o Bill Gates ficou o cara mais rico do mundo? Ai é que está o lance. Vc mandou bem nessa matéria, mó boa. Falow, fui!

Anônimo disse...

Gostei muito a opinião o O-Sensei e concordo com alguns aspectos do que disse o Kamikase.

Acho que a minha opinião tem um pouco das duas opiniões acima.

Seria mais simples trabalhar a cultura do brasileiro, fazer com que ele lesse mais e tivesse mais condições de comprar gibis.

Jota, essa informação de que as editoras ganham mais no licenciamento do que no próprio gibi é verdade? (Lembrando que quem livrou a falência da Marvel foi o cinema e não a venda de gibis)

Fui!

Jota Silvestre disse...

Não sei dizer, Art, precisaria apurar. Mas faz sentido...

Anônimo disse...

Se vender gibi bom a um preço honesto, todo mundo vai comprar o seu. Agoar vender mix de porcaria por 7,50 é pedir para todo mundo ler scan, que é porcaria mas pelo menos é de gráça. Fui!

Mininim® disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
JJ Marreiro disse...

Nenhuma empresa põe um produto na rua se ele não gerar lucro. Os quadrinhos Marvel e DC podem ajudar as empresas a faturarem na área de licenciamento e afins, mas ainda assim são, os quadrinhos gringos, autosustentáveis. Já viram a quantidade de anúncio que vem neles? Anuncio de games, filmes, campanhas institucionais e outros.

O quadrinho gringo se banca porque o produto é trabalhado como um composto de publiciade e venda. As histórias seriadas dominam o mercado americano porque prendem a atenção do leitor (assim como as super-sagas-descartáveis-que reúnem-todas-as-publicações-da-editora).

Os scans ajudam os leitores sem dinheiro a terem acesso a um produto caro e elitizado, assim, funcionam como uma ação revolucionária contra o poder astabelecido pelas empresas e pelo capital :)

Já a algum tempo não são divulgados os números de tiragem e vendas das revistas de quadrinhos no Brasil. Isso é uma ameaça para as republicadoras que temem que os números reais cheguem aos seus leitores. Daí os números serem envoltos em mistério. Seria um escandalo descobrir a diferença entre o preço de impressão e o preço de capa nas revistas? Descobrir os números reais da tiragem e da vendagem dos exemplares publicados no Brasil? Bem, essas são informações que as editoras não disponibilizam. ...Então...Scan nelas!!!

Anônimo disse...

O tradutor de um grupo nem sempre é fluente na língua estrangeira de origem. A tradução é feita em programas de edição de texto como Word ou no Bloco de Notas do Windows, e enviada para um revisor - alguém que conhece bem tanto a língua portuguesa quanto a original - para que sejam feitas correções e adaptações. Em alguns casos, esta etapa é suprimida.É por isso que vemos tantas traduções porcas por aí.

"Por ser um trabalho amador, erros de português, de tradução ou de diagramação acontecem. Mas tentamos fazer da forma mais rápida e com a melhor qualidade possível".Ser amador não é desculpa. Falta de cuidado, sim. Por essa declaração de "fazer o mais rápido" já dá pra ter idéia de qual grupo é a pessoa que serviu de fonte.

Claro, é melhor lançar "6 horas depois do lançamento nos EUA, mais um recorde" do que fazer um trabalho de qualidade...

Jota Silvestre disse...

Anônimo, se vc faz parte de algum grupo de scanlators e quiser contribuir com este debate além do comentário já deixado, me mande um e-mail e falamos.

Abs!