quinta-feira, 21 de maio de 2009

A polêmica de "Dez na Área..."

Foi uma trapalhada sem tamanho. E quem pagou o pato? Os quadrinhos, claro!

Para quem não vem acompanhando a polêmica em torno de Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol, um pequeno retrospecto:

O governo paulista adquiriu 1.216 exemplares desta HQ para distribuição a alunos da terceira série do ensino fundamental – na faixa de 9 anos de idade. Acontece que o livro lançado pela Via Lettera em 2002 não é indicado para esta faixa etária, tanto pelo teor das histórias quanto pela linguagem empregada. O erro foi percebido e as HQs recolhidas.

Mas o dano para a imagem dos quadrinhos já estava feito e, da forma como foi conduzido, pode representar um retrocesso no uso desta linguagem nas salas de aula e como ferramenta de educação e incentivo à leitura.

Houve, claramente, um erro de avaliação por parte de quem selecionou a obra. Em entrevistas, o governador José Serra garantiu que será aberta uma sindicância e que os responsáveis serão punidos. O resultado deve sair em 30 dias.

Tivesse o caso parado por aí, tudo bem. Só que a polêmica se espalhou como um rastilho de pólvora na mídia e, com raras exceções, limitada a informar que o governo distribuiu HQs “com palavrões” para os alunos da rede pública.

Ontem (20), o cartunista JAL, em nome da Associação dos Cartunistas do Brasil (ACB), emitiu nota chamando atenção para isto: “A Associação dos Cartunistas do Brasil, que vem participando por anos da luta pelo reconhecimento do autor brasileiro na área dos quadrinhos e humor gráfico, não pode deixar de dizer que as informações colocadas, dessa forma na mídia, podem depor contra um trabalho sério nas escolas de utilização de publicações de quadrinhos como ferramenta de incentivo à leitura e cultura nacional”.

Neste sentido, em nada ajudaram as declarações de José Serra. Ele admitiu o erro de seu governo em selecionar uma obra inadequada para a idade dos alunos, mas não se furtou a dividir a responsabilidade com os autores do livro. Entre outras coisas, chamou-o de “mau gosto”, “de conteúdo ruim” e “desagradável”. Enfim, nas palavras dele, “um horror”.

Em apenas um mês, Serra atacou dois dos meu vícios: o cigarro e os quadrinhos. Começo a colocar em cheque minha decisão de votar nele numa possível candidatura à presidência da República.

6 comentários:

Anônimo disse...

Jota, não te falaram? o governo não erra, quem erra e a imprensa, os autores, os quadrinistas.. AH e claro, os ELEITORES.

Abs!

Jota Silvestre disse...

O que mais me entristece, Anônimo, é o tratamento raso que a mídia deu para o caso. Com raríssimas exceções, as notícias se resumiram a: "Governo distribui quadrinhos com palavrões para crianças". Ainda ontem, ouvi um comentário desse tipo no programa Fim de Expediente, da CBN. Lamentável!

TSalvatore disse...

Além do tratamento conveniente raso para esconder quem cometeu esse erro, é triste ver como o Governo que se gaba tanto não assume um simples engano.

De todo modo, o grande Xico Sá escreveu algo que divido com os amigos, merece uma lida:

XICO SÁ - Quem tem medo de palavrão?

Ele é uma bênção no futebol, na literatura, na topada, no desafogo, no pânico, no trânsito de SP. E na cama

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, em uma ida ao campo de futebol o homem diz mais palavrões do que nos gritos e sussurros de alcova durante a sua vida inteira. Não é diferente no sofá de casa, e o mesmo acontece com os técnicos, os digníssimos professores, e com os boleiros, mesmo os santinhos do pau oco e os sonsos atletas de Cristo.

Em uma pelada, mesmo de criança, fala-se mais palavrões do que na última casa de tolerância da Vila Mimosa. Como me disse uma noite a Tia Olga, madame responsável pela iniciação sexual de muitos garotos de São Paulo, todo homem ao chegar ao baixo meretrício ganha ar solene, circunspecto, grave, respeitoso. É no futebol que a criatura, antes da chamada fase oral canibalística, manifesta-se um marquês de Sade.

As histórias em quadrinhos do livro "Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol" (ed. Via Lettera) são fichinhas, café pequeno, Zibia Gasparetto, padre Zezinho, uma Bíblia diante de um menino de nove anos e sua turma atrás da bola. Cito o tal livro devido à sua adoção seguida de banimento em escolas estaduais paulistas, como vimos nesta Folha. Não julgo quem o acolheu nem quem o demonizou. Não tenho ciência pedagógica para a valiosa tarefa, mas duvido de que o referido conteúdo fosse espantar alguém que já bateu uma pelada.

Sim, pode ser inadequado, no sentido moral e cívico, para a faixa etária do ensino básico, mas a gurizada iria se divertir e se interessar mais pela leitura do que sob a palmatória da chatice bilaquiana ou alencarina. "Última flor do Lácio, inculta e bela,/ És, a um tempo, esplendor e sepultura;/ Ouro nativo, que na ganga impura/ A bruta mina entre os cascalhos vela..." E dá-lhe Bilac na rapaziada.

Aqui em casa eu prefiro o time que contou as inocentes historinhas do "Dez na Área": Allan Sieber, Caco Galhardo, Custódio, Fábio Moon e Gabriel Ba, Fabio Zimbres, Lelis, Leonardo, Maringoni, Osvaldo Pavanelli e Emílio, Samuel Casal e Spacca. Tem ainda o Karmo, na posição de gandula.

Noves fora o quiprocó pedagógico, é mesmo um belo livro sobre futebol. Como diz o genial Tostão no prefácio: "Faltava uma obra como essa para crianças e adultos". A maldade do palavrão está na cabeça de quem o condena. O palavrão é bênção divina no futebol, na literatura, no desafogo, na topada, no pânico, no trânsito. E na cama.

Agora lembrei de uma fala de Ronaldo na sabatina da Folha. "Ele [Ronald] é uma criança doce, que não fala palavrão, é educado. É praticamente um europeu", disse ele, sobre o filho que vive na Europa. Mal sabe o Fenômeno que o acervo de palavras cabeludas de muitos países de lá é infinitamente mais rico do que o nosso, como lembra o sociólogo Gilberto Freyre no prefácio do "Dicionário do Palavrão", obra do pernambucano Mário Souto Maior (ed. Record).



A versão alemã de livro do gênero, que inspirou a edição brasileira, tem 9.000 verbetes. O volume nacional ficou em um terço dessa maçaroca. Na França e na Espanha, puta madre, nem se fala. Coisa de botar no chinelo a "Mesa-redonda sexo-futebol debate!", a sensacional história narrada pelo Caco Galhardo que fecha o "Dez na Área...".

xico.folha@uol.com.br

Capitão Márvel disse...

no site de vídeos da Globo, chamam o álbum de "cartilha sobre educação sexual com conteúdo impróprio".
Nem sabem do que estão falando...

Chamaram de cartilha, livro pornográfico, horror, só não chamaram de quadrinho adulto.

http://khneira.blogspot.com/ disse...

Acho que num voto no Serra nem prukaralho, e o lance de denegrir amais a imagem das HQs reforça isso, já a respeito do cigarro...acho que cv deveria pensar c/ mais carinho, não tenho nada a ver com a vida alheia, mas, se vc que é um cara estudado parar e pensar por 10 segundos, vai ver que esta destruindo a única coisa que vale realmente vale nesta vida: sua saúde!
Abs e parabéns pela matéria, não teva fragando essa treta ai não.
Dola

Jota Silvestre disse...

Obrigado pela preocupação, Dola, mas sabe como é: a vida fica meio chata sem alguns pequenos vícios. Um dia, quem sabe, eu paro.

Abs!